Síndrome de Tourette | |
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Georges Gilles de la Tourette (1857–1904), epónimo da síndrome | |
Especialidade | neurologia |
Classificação e recursos externos | |
CID-10 | F95.2 |
CID-9 | 307.23 |
CID-11 | 119340957 |
OMIM | 137580 |
DiseasesDB | 5220 |
MedlinePlus | 000733 |
eMedicine | med/3107 neuro/664 |
MeSH | D005879 |
Leia o aviso médico |
A síndrome de Tourette é um transtorno neuropsiquiátrico hereditário que se manifesta durante a infância, caracterizado por diversos tiques físicos e pelo menos um tique vocal. Estes tiques têm remissões e recidivas características, podem ser suprimidos temporariamente e são precedidos por impulsos premonitórios. A síndrome é definida enquanto parte do espectro dos transtornos devido a tiques, no qual se incluem tiques transitórios e crónicos.[1]
A Tourette era considerada uma síndrome rara que na maior parte das vezes é associada à vocalização de termos obscenos ou afirmações depreciativas e socialmente impróprias (coprolalia), embora este sintoma se manifeste apenas numa pequena minoria de pessoas com a doença.[1][2][3] A Tourette já não é considerada uma condição rara, embora nem sempre seja corretamente identificada, uma vez que a maior parte dos casos são moderados e a gravidade dos tiques diminui à medida que a pessoa atravessa a adolescência. Estima-se que entre 0,4 e 3,8% das crianças e adolescentes entre os 5 e 18 anos possam ter Tourette.[4] A prevalência de outros transtornos devido a tiques nas crianças em idade escolar é maior, sendo os mais comuns piscar os olhos, tossir, limpar a garganta, fungar e determinados movimentos faciais. Os casos graves em adultos são raros. A Tourette não afeta a inteligência ou a esperança de vida.
Os fatores genéticos e ambientais desempenham um papel na etiologia da Tourette,[1] embora se desconheçam as causas precisas da doença. Na maior parte dos casos não é necessária qualquer medicação. Não existem tratamentos eficazes para todos os casos de tiques, mas alguns medicamentos e terapias podem ajudar.[1] A educação é uma parte importante de qualquer plano de tratamento, e a própria educação do paciente e palavras de conforto são muitas vezes suficientes enquanto tratamento.[1][2][5] Em muitos dos pacientes com Tourette que frequentam clínicas da especialidade verificam-se também condições comórbidas (diagnóstico de outras doenças para além de Tourette), como gagueira, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade ou transtorno obsessivo-compulsivo.[1] Estas outras condições causam frequentemente maiores transtornos funcionais ao indivíduo do que os tiques característicos de Tourette, pelo que é importante identificar e tratar estas condições.[6]
A doença foi descrita pela primeira vez em 1825 pelo médico francês Jean Itard. Mais tarde, em 1885, foi estudada e apresentada ao meio médico-acadêmico pelo neurólogo francês Gilles de la Tourette, que publicou um relato de nove casos da doença, que denominou maladie des tics convulsifs avec coprolalie ("doença dos tiques convulsivos com coprolalia"). Posteriormente, a doença foi renomeada "doença de Gilles de la Tourette", por Charcot, o influente diretor da Salpêtrière.[7]
A maioria das pessoas acometidas é do sexo masculino; o início da síndrome geralmente se manifesta na infância ou juventude; os sintomas ocorrem involuntariamente.[8]
Um médico francês, Jean Marc Gaspard Itard, relatou o primeiro caso de síndrome de Tourette em 1825,[9] descrevendo a Marquesa de Dampierre, uma importante mulher da nobreza em seu tempo.[10][11] Em 1884, Jean-Martin Charcot, um influente médico francês, designou seu aluno[12] e interno Georges Gilles de la Tourette, para estudar pacientes com distúrbios do movimento no Hospital Salpêtrière, com o objetivo de definir uma condição distinta de histeria e choreia.[13] Em 1885, Gilles de la Tourette publicou um relato no Study of a Nervous Affliction de nove pessoas com "transtorno de tique convulsivo", concluindo que uma nova categoria clínica deveria ser definida.[14][15] O epônimo foi concedido por Charcot depois e em nome de Gilles de la Tourette, que mais tarde se tornou o residente sênior de Charcot.[16][17]
Seguindo as descrições do século XIX, uma visão psicogênica prevaleceu e pouco progresso foi feito na explicação ou tratamento de tiques até o século XX.[16] A possibilidade de que os distúrbios do movimento, incluindo a síndrome de Tourette, possam ter origem orgânica foi levantada quando uma epidemia de encefalite letárgica de 1918 a 1926 foi associada a um aumento nos distúrbios de tique.[16][18]
Durante as décadas de 1960 e 1970, quando os efeitos benéficos do haloperidol nos tiques se tornaram conhecidos, a abordagem psicanalítica da síndrome de Tourette foi questionada.[19][20] A virada veio em 1965, quando Arthur K. Shapiro — descrito como "o pai da pesquisa moderna do tique nervoso"[21] — usou haloperidol para tratar uma pessoa com síndrome de Tourette e publicou um artigo criticando a abordagem psicanalítica.[18] Em 1975, o The New York Times publicou um artigo com "Explosões bizarras de vítimas da doença de Tourette ligadas a distúrbios químicos no cérebro", e Shapiro disse: "Os sintomas bizarros desta doença são rivalizados apenas pelos tratamentos bizarros usados para tratá-la."[22]
Durante a década de 1990, surgiu uma visão mais neutra da síndrome de Tourette, na qual uma predisposição genética é vista para interagir com fatores não genéticos e ambientais.[16][23][24] A quarta revisão do DSM (DSM-IV) em 1994 acrescentou um requisito de diagnóstico para "sofrimento acentuado ou prejuízo significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento", o que levou a protestos de especialistas e pesquisadores em TS, que observaram que muitas pessoas nem mesmo sabiam que tinham ST, nem se incomodavam com seus tiques; clínicos e pesquisadores recorreram ao uso dos critérios mais antigos na pesquisa e na prática.[25] Em 2000, a Associação Psiquiátrica Americana revisou seus critérios de diagnóstico na quarta revisão de texto do DSM (DSM-IV-TR) para remover o requisito de deficiência,[26] reconhecendo que os médicos frequentemente atendem pessoas com síndrome de Tourette sem sofrimento ou deficiência.[27]
O início da síndrome manifesta-se, geralmente, na infância ou juventude do indivíduo, eventualmente atingindo estágios classificados como crônicos. Porém, no decorrer da vida adulta, frequentemente, os sintomas vão aos poucos se amenizando e diminuindo. Mesmo assim, até hoje ainda não foi encontrada uma cura para a Tourette.[1] Tratamentos médicos existem para amenizar os sintomas, porém, o consenso entre os profissionais da área é o de que os tratamentos precisam ser individualizados por causa das sempre presentes reações adversas aos medicamentos.
Os tiques podem se manifestar em qualquer parte ou conjunto de partes do corpo (barriga, nádegas, pernas, braços etc.), mas, tipicamente, ocorrem no rosto e na cabeça -- no rosto, como caretas repetidas, e na cabeça como um todo, como movimentos bruscos, repetidos, de lado a lado etc. A principal comorbidade é o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC),[1] prevalente em cerca de 50% dos portadores. Os comportamentos obsessivo-compulsivos estão intimamente ligados, tanto do ponto de vista genético, quanto do ponto de vista fenomenológico (Robertson & Yakely, 2002). Outros sofrimentos psíquicos que se têm mostrado abundantes são os distúrbios do sono, a ansiedade e a depressão. Pesquisas têm levantado a possibilidade de que essas alterações possam fazer parte dos próprios subtipos da ST (Robertson & Yakely, 2002). Bastos e Vaz apresentam outras características psicológicas verificadas:
"Outros aspectos psicodinâmicos e comportamentais relativamente comuns na ST, como os comportamentos opositivos, agressivos, regressivos, a forma como está se dando a liberação dos impulsos, a capacidade de autorregulação e autocrítica, a capacidade e estado de adaptação, a capacidade de tolerância à tensão e ansiedade, a capacidade de concentração no que se está fazendo, a liberação dos impulsos e instintos mais primitivos, a liberação das reações emocionais compatíveis com explosividade, os indicadores de falta de integração e organização, a labilidade do controle emocional e impulsividade, os indicadores de carência afetiva, a necessidade de contato humano e de ausência de repressão, podem ser constatados nos protocolos da técnica de Rorschach, e isto aparece de forma abundante na literatura sobre este teste" (Bastos & Vaz, 2009).
Um aspecto que merece ênfase, ao se tentar explicar ou compreender essa síndrome, é que os sintomas ocorrem involuntariamente. Raramente, uma pessoa que sofre da síndrome consegue controlar um mínimo de seus tiques e jamais por prolongados períodos de tempo.[1] Assim como o ser humano não consegue viver por muito tempo com os olhos abertos, pois seu corpo reage de forma natural, inconsciente, para que seus olhos pisquem, dessa mesma forma se manifestam os sintomas da síndrome de Tourette no indivíduo por ela afetado.[28]
Convém salientar também que alguns tiques fônicos involuntários presentes na síndrome de Tourette podem ser genericamente rotulados de "gagueira" por pessoas pouco familiarizadas.[29] Em função da imagem estereotipada que foi criada em torno da síndrome, acreditou-se por muito tempo que suas manifestações vocais resumiam-se basicamente à coprolalia e a uma vontade incontrolável de proferir imprecações e termos impróprios, mas hoje se sabe que, além de tiques fônicos involuntários, alguns pacientes com síndrome de Tourette podem apresentar disfluências de fala que lembram muito as que são vistas em pessoas com gagueira, e até metade das pessoas que acreditam possuir gagueira do desenvolvimento podem na verdade ter síndrome de Tourette não diagnosticada.[30][31]
Infelizmente, a reação de muitas pessoas desinformadas perante manifestações da síndrome de Tourette é aquela de fobia ao diferente. Ainda mais: às vezes, a reação é de reprovação. Isso ocorre, especialmente, quando a pessoa afetada pela síndrome de Tourette manifesta sintomas de gagueira e coprolalia. A gagueira pode prejudicar sensivelmente a eficiência comunicativa do indivíduo e isolar ainda mais a pessoa com Tourette. Já a coprolalia engloba aqueles indivíduos que, além de outros sintomas de Tourette, veem-se obrigados a repetir palavras obscenas e/ou insultos. Obviamente, as consequências desses sintomas traduzem-se em desvantagens pronunciadas no âmbito social e ocupacional.
Os critérios diagnósticos oferecidos pelo DSM-IV-TR são:
Nem todo mundo com Tourette deseja tratamento ou cura, especialmente se isso significar que eles podem perder algo mais no processo.[32][33] Os pesquisadores Leckman e Cohen acreditam que pode haver vantagens latentes associadas à vulnerabilidade genética de um indivíduo para desenvolver a síndrome de Tourette que pode ter valor adaptativo, como maior consciência e maior atenção aos detalhes e arredores.[34][35]
Músicos talentosos, atletas, oradores públicos e profissionais de todas as esferas da vida são encontrados entre as pessoas com Tourette.[36][37] O atleta Tim Howard, descrito pelo Chicago Tribune como a "mais rara das criaturas — um herói do futebol americano",[38] e pela Associação da Síndrome de Tourette como o "indivíduo mais notável com Síndrome de Tourette em todo o mundo",[39] diz que sua composição neurológica lhe deu uma percepção aprimorada e um foco agudo que contribuiu para seu sucesso no campo.[40]
Samuel Johnson é uma figura histórica que provavelmente teve a síndrome de Tourette, conforme evidenciado pelos escritos de seu amigo James Boswell.[41][42] Johnson escreveu A Dictionary of the English Language em 1747 e foi um prolífico escritor, poeta e crítico. Há pouco apoio[43][44] para a especulação de que Mozart tinha Tourette:[45] o aspecto potencialmente coprolálico dos tiques vocais não é transferido para a escrita, então os escritos escatológicos de Mozart não são relevantes; o histórico médico disponível do compositor não é completo; os efeitos colaterais de outras condições podem ser mal interpretados; e "a evidência de tiques motores na vida de Mozart é duvidosa".[46]
Prováveis retratos de ST ou tiques na ficção anteriores à obra de Gilles de la Tourette são "Sr. Pancks" em Little Dorrit, de Charles Dickens, e "Nikolai Levin", em Anna Karenina, de Leon Tolstoi.[47] A indústria do entretenimento tem sido criticada por retratar aqueles com síndrome de Tourette como desajustados sociais cujo único tique é a coprolalia, o que aumentou a incompreensão do público e a estigmatização daqueles com síndrome de Tourette.[48][49][50] Os sintomas coprolálicos da síndrome de Tourette também são tema de talk shows de rádio e televisão nos Estados Unidos[51] e da mídia britânica.[52] A cobertura da mídia de alto nível concentra-se em tratamentos que não têm segurança ou eficácia estabelecidas, como estimulação cerebral profunda, e terapias alternativas envolvendo eficácia não estudada e efeitos colaterais são buscadas por muitos pais.[53]
Because of the understanding and hope that it provides, education is also the single most important treatment modality that we have in TS
[Pathogenesis of tic disorders involves] interactions among genetic factors, neurobiological substrates, and environmental factors in the production of the clinical phenotypes. The genetic vulnerability factors that underlie Tourette's syndrome and other tic disorders undoubtedly influence the structure and function of the brain, in turn producing clinical symptoms. Available evidence ... also indicates that a range of epigenetic or environmental factors ... are critically involved in the pathogenesis of these disorders.
As medical problems go, Tourette's is, except in the most severe cases, about the most minor imaginable thing to have. ... the freak-show image, unfortunately, still prevails overwhelmingly. The blame for the warped perceptions lies overwhelmingly with the video media—the Internet, movies and TV. If you search for 'Tourette' on Google or YouTube, you'll get a gazillion hits that almost invariably show the most outrageously extreme examples of motor and vocal tics. Television, with notable exceptions such as Oprah, has sensationalized Tourette's so badly, for so long, that it seems beyond hope that most people will ever know the more prosaic truth.